Por Liebe Lima
Após 13 nos de trabalho na Unidade do Sesc Vila Mariana em São Paulo, quatro deles me dedicando à gestão das equipes de atendimento, decidi pedir as contas da firma e voltar ao Mato Grosso para trabalhar na região de divisa entre as bacias dos rios Xingu e Araguaia, Terra Indígena Maraiwatsédé, atuando principalmente, junto a um grupo de mulheres Xavante coletoras de sementes florestais, que compõe a Rede de Sementes do Xingu.
Em 2015 ainda haviam rastilhos de pólvora de um grave conflito fundiário travado entre posseiros, latifundiários e o Povo Xavante que a pouco mais de dois anos havia retomado o direito ao seu território ancestral, em uma decisão emblemática da justiça, que ordenou a desintrusão de uma vila inteira com posseiros, latinfundiários e pequenos sitiantes, que ali se instalaram após os Xavante terem sido removidos contra sua vontade de seu território ancestral, ainda na década de sessenta.
Na população do entorno da terra indígena havia muita animosidade em relação aos indígenas e mais ainda, contra brancos que vinham de fora para trabalhar com eles por meio de organizações da sociedade civil, o que era o meu caso, trabalhando com a Operação Amazônia Nativa (OPAN). Naquele momento fui morar em São Félix do Araguaia e eu não podia dizer livremente para as pessoas, qual era o meu trabalho, sob o risco de ser alvo de violência em razão daquele conflito.
Assim eu trafegava, muitas vezes sozinha, pelas estradas longas e poeirentas, levando a tensão como companhia e o encanto de estar ali, em um momento tão importante de re-ocupação de uma área devolvida aos indígenas, após extensa devastação para implantação de pastos destinados à pecuária.
Muitas vezes, havia uma única árvore em meio ao capim e eram estas as matrizes de onde as mulheres coletavam suas sementes. Uma incrível lição de resiliência e força que eu trouxe para a vida e propósito de estar presente nesse novo tempo, com abertura de novas aldeias e surgimento de novas lideranças mulheres, que vieram a se tornar cacicas de suas aldeias mais tarde.
Quando cheguei lá, as mulheres só falavam em sua língua materna e com uma visão de mundo, onde mais que três, é simplesmente, muito! Nesse contexto, falar da coleta de espécies específicas, de medidas, pesos e valores pagos sobre as sementes, era um grande desafio. Na primeira pesagem as mulheres chegavam com cestos e mais cestos carregados de sementes minúsculas da embaúba, quando a encomenda da Rede de Sementes do Xingu a elas, desta semente, era de apenas 4 Kg. No final, a dificuldade de entendimento sobre a pesagem, resultou em descarte de mais de 200 Kg dessa semente e de todo o árduo trabalho de beneficiamento dessa espécie.
Passado esta primeira experiência, iniciamos o trabalho com a Cleusa Nunes, coletora de sementes da Rede de Sementes do Xingu, que falava fluentemente a língua Xavante, realizando entrevistas individuais traduzidas, com cada coletora para distribuir os pedidos que cada uma coletaria junto com sua família, cadastramos as coletoras usando uma ferramenta de formulário, usando foto para garantir que o pagamento fosse feito à pessoa certa e também, passamos a sistematizar as informações de coleta para percorrer esse caminho formativo que as mulheres precisavam com o objetivo de prosperar e gerar renda, por meio da cadeia produtiva das sementes florestais.
Nesse inteirim, novas aldeias foram criadas, o grande grupo de mulheres se dividiram em diferentes áreas com pequenas manchas de cerrado e floresta e passaram a dividir seus pedidos a partir do que tinha disponível em suas novas aldeias, como também as usaram no plantio dos novos quintais, onde atualmente se coleta muita fruta e semente que são frutos do reflorestamento que vêm sendo realizado na terra indígena.
Foi assim que tive a oportunidade de estar presente onde novas aldeias estavam sendo fundadas e acompanhar esse processo de mudança e ocupação da Terra Indígena Marãiwatsédé. Atualmente, o Grupo de Coletoras de Marãiwatsédé é o grupo com maior número de coletoras da Rede de Sementes do Xingu, coletam toneladas de sementes e fazem a gestão de suas coletas e dos recursos gerados por elas.
Esta é a história do meu encontro com elas, o Grupo Pi’o romnhama” de quem sempre levarei imensa alegria por ter tido a oportunidade de aprender lições de resiliência, com o sentimento de imensa gratidão, admiração e saudades!
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